Modelo de Gray-Scott: mudanças entre as edições
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O modelo de Gray-Scott descreve uma reação '''autocatalítica'''. Sejam duas substâncias químicas cujas concentrações em um dado ponto do espaço são dadas pelas variáveis <math>u</math> e <math>v</math>, a reação pode ser representada como | O modelo de Gray-Scott descreve uma reação '''autocatalítica'''. Sejam duas substâncias químicas cujas concentrações em um dado ponto do espaço são dadas pelas variáveis <math>u</math> e <math>v</math>, a reação pode ser representada como | ||
:<math>u + 2v \to 3v</math> | |||
<math>u + 2v \to 3v</math> | |||
Isso significa que uma molécula da substância <math>u</math> é transformada em uma molécula da substância <math>v</math> por meio da ação de outras duas moléculas da substância <math>v</math>, ou seja, <math>v</math> é um catalisador de sua própria produção (daí o termo '''autocatálise'''). Além dessa reação, ambas substâncias se difundem pelo meio (por isso esse modelo pertence à classe mais geral de modelos '''reativos-difusivos''') e, portanto, as concentrações <math>u</math> e <math>v</math> mudam com o tempo e diferem em cada ponto. Por simplicidade, assume-se que a reação reversa (i.e., <math>3v \to u + 2v</math>) não ocorre. Há reposição de <math>u</math> a uma taxa <math>F</math> (taxa de alimentação, ''feed rate'') e remoção de <math>v</math> a uma taxa ligeiramente mais rápida do que a reposição de <math>u</math>. | Isso significa que uma molécula da substância <math>u</math> é transformada em uma molécula da substância <math>v</math> por meio da ação de outras duas moléculas da substância <math>v</math>, ou seja, <math>v</math> é um catalisador de sua própria produção (daí o termo '''autocatálise'''). Além dessa reação, ambas substâncias se difundem pelo meio (por isso esse modelo pertence à classe mais geral de modelos '''reativos-difusivos''') e, portanto, as concentrações <math>u</math> e <math>v</math> mudam com o tempo e diferem em cada ponto. Por simplicidade, assume-se que a reação reversa (i.e., <math>3v \to u + 2v</math>) não ocorre. Há reposição de <math>u</math> a uma taxa <math>F</math> (taxa de alimentação, ''feed rate'') e remoção de <math>v</math> a uma taxa ligeiramente mais rápida do que a reposição de <math>u</math>. | ||
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O comportamento geral do sistema pode ser descrito pelas equações abaixo: | O comportamento geral do sistema pode ser descrito pelas equações abaixo: | ||
<math>\frac{\partial{u}}{\partial{t}}= -uv^2 + F(1-u) + D_u\nabla^2u | :<math>\begin{align} | ||
\frac{\partial{u}}{\partial{t}} & = - uv^2 + F(1-u) + D_u\nabla^2u\\ | |||
\frac{\partial{v}}{\partial{t}} & = uv^2 - (F+k)v + D_v\nabla^2v \quad (1)\\ | |||
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== Análise de estabilidade == | == Análise de estabilidade == | ||
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- & uv^2 + F(1-u) = 0\\ | - & uv^2 + F(1-u) = 0\\ | ||
& uv^2 - (F+k)v = 0 \quad ( | & uv^2 - (F+k)v = 0 \quad (2)\\ | ||
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onde definiu-se o parâmetro auxiliar <math>\gamma = \frac{F+k}{F}</math>. | onde definiu-se o parâmetro auxiliar <math>\gamma = \frac{F+k}{F}</math>. | ||
Substituindo <math>u</math> na segunda equação do sistema ( | Substituindo <math>u</math> na segunda equação do sistema (2) (e reescrevendo <math>F+k =\gamma F</math>), ficamos com: | ||
:<math>\left(1 - \gamma v \right)v^2 -\gamma F v = 0 \Rightarrow -\gamma v^3 + v^2 - \gamma F v = 0</math> | :<math>\left(1 - \gamma v \right)v^2 -\gamma F v = 0 \Rightarrow -\gamma v^3 + v^2 - \gamma F v = 0</math> | ||
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:<math>4\gamma^2 F \leq 1 \Rightarrow 4 \left(\frac{F+k}{F}\right)^2 F \leq 1 \Rightarrow F \geq 4(F+k)^2</math>, para que existam as soluções não-triviais. | :<math>4\gamma^2 F \leq 1 \Rightarrow 4 \left(\frac{F+k}{F}\right)^2 F \leq 1 \Rightarrow F \geq 4(F+k)^2</math>, para que existam as soluções não-triviais. | ||
Portanto, há três soluções estacionárias do sistema: | Portanto, há três soluções estacionárias <math>(u^{*}_{i}, v^{*}_{i})</math> do sistema:<ref name=Gros>C. Gros, "Complex and Adaptive Dynamical Systems". Springer-Verlag, Berlim, 2015.</ref> | ||
:<math>\begin{align} | :<math>\begin{align} | ||
& u = 1 & v = 0 \\ | & u^{*}_{0} = 1 & v^{*}_{0} = 0 \\ | ||
& u = \frac{1}{2}(1 + \sqrt{1 - 4\gamma^2 F}) & v = \frac{1}{2\gamma}(1 - \sqrt{1 - 4\gamma^2 F}) \\ | & u^{*}_{1} = \frac{1}{2}(1 + \sqrt{1 - 4\gamma^2 F}) & v^{*}_{1} = \frac{1}{2\gamma}(1 - \sqrt{1 - 4\gamma^2 F}) \\ | ||
& u = \frac{1}{2}(1 - \sqrt{1 - 4\gamma^2 F}) & v = \frac{1}{2\gamma}(1 + \sqrt{1 - 4\gamma^2 F}) \\ | & u^{*}_{2} = \frac{1}{2}(1 - \sqrt{1 - 4\gamma^2 F}) & v^{*}_{2} = \frac{1}{2\gamma}(1 + \sqrt{1 - 4\gamma^2 F}) \\ | ||
\end{align}</math> | \end{align}</math> | ||
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Se agora incluímos os termos de difusão <math>D_{u}</math> e <math>D_{v}</math>, deve-se levar em consideração a matriz <math>\left(J - D \omega^2\right)\Bigg|_{f = f_{eq}}</math>. Aqui, <math>J</math> é a matriz jacobiana dos termos de reação, <math>D</math> é a matriz diagonal dos termos de difusão e <math>\omega</math> é o parâmetro que determina a frequência espacial das perturbações. A demonstração da validade desse método pode ser encontrada na referência<ref name=Sayama260 | Se agora incluímos os termos de difusão <math>D_{u}</math> e <math>D_{v}</math>, deve-se levar em consideração a matriz <math>\left(J - D \omega^2\right)\Bigg|_{f = f_{eq}}</math>. Aqui, <math>J</math> é a matriz jacobiana dos termos de reação, <math>D</math> é a matriz diagonal dos termos de difusão e <math>\omega</math> é o parâmetro que determina a frequência espacial das perturbações. A demonstração da validade desse método pode ser encontrada na referência<ref name=Sayama260/>. Aplicando ao modelo de Gray-Scott em <math>(u^{*}, v^{*}) = (1, 0)</math>: | ||
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Ambas desigualdades são imediatamente satisfeitas para quaisquer valores de <math>F, k, D_{u}</math>, e <math>D_{v}</math>. Portanto, o estado de equilíbrio <math>(u^{*}, v^{*}) = (1, 0)</math> permanece estável no modelo de Gray-Scott mesmo após a inclusão dos coeficientes de difusão, sejam quais forem os valores desses coeficientes (lembrando que estamos nos restringindo a valores positivos dos parâmetros e coeficientes). | Ambas desigualdades são imediatamente satisfeitas para quaisquer valores de <math>F, k, D_{u}</math>, e <math>D_{v}</math>. Portanto, o estado de equilíbrio <math>(u^{*}, v^{*}) = (1, 0)</math> permanece estável no modelo de Gray-Scott mesmo após a inclusão dos coeficientes de difusão, sejam quais forem os valores desses coeficientes (lembrando que estamos nos restringindo a valores positivos dos parâmetros e coeficientes). | ||
Esse é um resultado à primeira vista surpreendente. Em geral, o surgimento de padrões complexos e não homogêneos em sistemas reativos-difusivos está relacionado à desestabilização de um ou mais estados de equilíbrio homogêneo causada pela introdução dos coeficientes de difusão (conhecida como instabilidade de Turing)<ref name=Biologia>http://mcb111.org/w13/w13-lecture.html#the-gray-scott-model</ref>. | Esse é um resultado à primeira vista surpreendente. Em geral, o surgimento de padrões complexos e não homogêneos em sistemas reativos-difusivos está relacionado à desestabilização de um ou mais estados de equilíbrio homogêneo causada pela introdução dos coeficientes de difusão (conhecida como instabilidade de Turing)<ref name=Biologia>[http://mcb111.org/w13/w13-lecture.html#the-gray-scott-model Week 13, MCB111: Mathematics in Biology (Fall 2021)]</ref>. | ||
Entretanto, no caso do modelo de Gray-Scott, o surgimento de padrões complexos e não homogêneos '''não''' decorre da instabilidade de Turing, uma vez que o surgimento de padrões não triviais nesse modelo ocorre mesmo quando apenas o estado de equilíbrio trivial <math>(u^{*}, v^{*}) = (1, 0)</math> está presente <ref name=Gros | Entretanto, no caso do modelo de Gray-Scott, o surgimento de padrões complexos e não homogêneos '''não''' decorre da instabilidade de Turing, uma vez que o surgimento de padrões não triviais nesse modelo ocorre mesmo quando apenas o estado de equilíbrio trivial <math>(u^{*}, v^{*}) = (1, 0)</math> está presente <ref name=Gros/>. | ||
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Há outros dois estados de equilíbrio que são soluções não triviais do sistema de equações (1). Desde que seja obedecida a condição <math>F\geq4(F+k)^2</math>, esses estados são <math>(u_{+},v_{-})</math> e <math>(u_{-},v_{+})</math>, com<ref name=Gros | Há outros dois estados de equilíbrio que são soluções não triviais do sistema de equações (1). Desde que seja obedecida a condição <math>F\geq4(F+k)^2</math>, esses estados são <math>(u_{+},v_{-})</math> e <math>(u_{-},v_{+})</math>, com<ref name=Gros/> | ||
Edição das 13h36min de 23 de fevereiro de 2022
Introdução
Descrição do Modelo
O modelo de Gray-Scott descreve uma reação autocatalítica. Sejam duas substâncias químicas cujas concentrações em um dado ponto do espaço são dadas pelas variáveis e , a reação pode ser representada como
Isso significa que uma molécula da substância é transformada em uma molécula da substância por meio da ação de outras duas moléculas da substância , ou seja, é um catalisador de sua própria produção (daí o termo autocatálise). Além dessa reação, ambas substâncias se difundem pelo meio (por isso esse modelo pertence à classe mais geral de modelos reativos-difusivos) e, portanto, as concentrações e mudam com o tempo e diferem em cada ponto. Por simplicidade, assume-se que a reação reversa (i.e., ) não ocorre. Há reposição de a uma taxa (taxa de alimentação, feed rate) e remoção de a uma taxa ligeiramente mais rápida do que a reposição de .
O comportamento geral do sistema pode ser descrito pelas equações abaixo:
Análise de estabilidade
Nota: A análise em toda esta seção pressupõe sempre que os parâmetros e coeficientes de difusão são positivos.
Soluções estacionárias sem difusão
O modelo de Gray-Scott depende dos parâmetros e dos coeficientes de difusão das espécies químicas. Ignorando em um primeiro momento os termos de difusão, percebe-se que, por inspeção, o sistema possui uma solução estacionária em para quaisquer valores dos parâmetros. Esse ponto, no entanto, não é a única solução estacionária do sistema; para encontrar as outras, é necessário impor nas equações do sistema. Fazendo isso e dispensando os termos de difusão (), obtém-se o seguinte sistema de equações:
Somando essas duas equações, relacionamos as variáveis e :
onde definiu-se o parâmetro auxiliar .
Substituindo na segunda equação do sistema (2) (e reescrevendo ), ficamos com:
Evidentemente, é solução dessa equação, implicando em , como já havíamos inspecionado. Alternativamente, considerando , podemos dividir a expressão acima por , ficando com . Resolvendo esta equação quadrática, obtemos duas novas soluções estacionárias para :
Disso, pela relação , temos que os valores correspondentes para são:
É necessário apontar que, para que as duas últimas soluções (não-triviais) existam — isto é, sejam números reais — o fator dentro da raiz quadrada tem de ser positivo ( ). Por consequência:
- , para que existam as soluções não-triviais.
Portanto, há três soluções estacionárias do sistema:[1]
Logo, é trivial que o sistema acima é satisfeito quando . Esse estado de equilíbrio é estável porque a matriz jacobiana possui traço negativo e determinante positivo[2].
Se agora incluímos os termos de difusão e , deve-se levar em consideração a matriz . Aqui, é a matriz jacobiana dos termos de reação, é a matriz diagonal dos termos de difusão e é o parâmetro que determina a frequência espacial das perturbações. A demonstração da validade desse método pode ser encontrada na referência[2]. Aplicando ao modelo de Gray-Scott em :
Para que o estado de equilíbrio seja estável é necessário que o determinante da matriz acima seja positivo e o traço seja negativo. Obtém-se então
Ambas desigualdades são imediatamente satisfeitas para quaisquer valores de , e . Portanto, o estado de equilíbrio permanece estável no modelo de Gray-Scott mesmo após a inclusão dos coeficientes de difusão, sejam quais forem os valores desses coeficientes (lembrando que estamos nos restringindo a valores positivos dos parâmetros e coeficientes).
Esse é um resultado à primeira vista surpreendente. Em geral, o surgimento de padrões complexos e não homogêneos em sistemas reativos-difusivos está relacionado à desestabilização de um ou mais estados de equilíbrio homogêneo causada pela introdução dos coeficientes de difusão (conhecida como instabilidade de Turing)[3].
Entretanto, no caso do modelo de Gray-Scott, o surgimento de padrões complexos e não homogêneos não decorre da instabilidade de Turing, uma vez que o surgimento de padrões não triviais nesse modelo ocorre mesmo quando apenas o estado de equilíbrio trivial está presente [1].
Estados de Equilíbrio Não Triviais
Há outros dois estados de equilíbrio que são soluções não triviais do sistema de equações (1). Desde que seja obedecida a condição , esses estados são e , com[1]