Equação de Dirac: mudanças entre as edições
m (centralizando equações) |
(→Método de Crank-Nicolson: formatação) |
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A fim de compatibilizar a Mecânica Quântica com a Relatividade Especial, a equação diferencial parcial é de ''primeira'' ordem tanto no tempo quanto no espaço (diferentemente da equação de Schrödinger, que é de ''segunda'' ordem no espaço). A equação de Dirac pode ser escrita de diversas formas; aqui, apresentamo-la explicitamente como um sistema de EDPs acopladas, mais conveniente para os propósitos do trabalho. | A fim de compatibilizar a Mecânica Quântica com a Relatividade Especial, a equação diferencial parcial é de ''primeira'' ordem tanto no tempo quanto no espaço (diferentemente da equação de Schrödinger, que é de ''segunda'' ordem no espaço). A equação de Dirac pode ser escrita de diversas formas; aqui, apresentamo-la explicitamente como um sistema de EDPs acopladas, mais conveniente para os propósitos do trabalho. | ||
Assim como | Assim como a equação de Schrödinger, a construção da equação de Dirac vem a partir do operador Hamiltoniano, que descreve a evolução temporal do estado quântico em questão: | ||
<center> | <center> | ||
<math> | <math> | ||
i\hbar\frac{\partial}{\partial t} | i\hbar\frac{\partial}{\partial t} \Psi(\boldsymbol{x},t) = H \Psi(\boldsymbol{x},t) | ||
</math> | </math> | ||
</center> | </center> | ||
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Assim, o Hamiltoniano é modificado para representar a medida da energia relativística total. | Assim, o Hamiltoniano é modificado para representar a medida da energia relativística total. | ||
Diferentemente da equação de Schrödinger, aqui <math>\Psi(\boldsymbol{x},t)</math> não representa apenas uma função de onda, mas sim um conjunto de ''quatro'' delas. Usando a notação | |||
<center> | <center> | ||
<math> | <math> | ||
H = c \boldsymbol{\alpha \cdot p} + \beta mc^2 | \Psi = \begin{bmatrix} \Phi_1 \\ \Phi_2 \\ \Phi_3 \\ \Phi_4 \end{bmatrix} | ||
</math>, | |||
</center> | |||
as componentes de <math>\Psi</math> representam as funções de onda associadas ao elétron e ao pósitron: <math>\Phi_1</math> (<math>\Phi_2</math>) representa a função de onda do elétron com spin up (down), e <math>\Phi_3</math> (<math>\Phi_4</math>) representa a função de onda do pósitron com spin up (down). O objeto <math>\Psi(\boldsymbol{x},t)</math> é chamado de ''spinor''. | |||
=Dedução da equação de Dirac em duas dimensões= | |||
Consideraremos neste trabalho a equação de Dirac em duas dimensões, <math>x</math> e <math>y</math>. A escolha dessas coordenadas se dá pela conveniência do acoplamento das EDPs: nesse caso, as quatro equações acopladas passam a ser acopladas duas a duas, facilitando o estudo do sistema. | |||
==Construção do Hamiltoniano completo== | |||
Consideremos uma partícula sob ação de um potencial <math>V(\boldsymbol{x};t)</math> (onde <math>\boldsymbol{x} = (x, y, z)^{T}</math>), que afeta a energia potencial da partícula, e de um potencial "escalar" <math>V_{sc}(\boldsymbol{x};t)</math>, que afeta a massa de repouso da mesma. Seguindo uma das propostas possíveis para o Hamiltoniano, temos | |||
<center> | |||
<math> | |||
H = c \boldsymbol{\alpha} \cdot \boldsymbol{p} + \beta(mc^2 + V_{sc}) + VI_4 | |||
</math> | |||
</center> | |||
onde <math>\boldsymbol{\alpha} = \alpha_x \hat{i} + \alpha_y \hat{j} + \alpha_z \hat{k}</math>; <math>\alpha_i</math> e <math>\beta</math> são matrizes 4x4 adimensionais e <math>\boldsymbol{p}</math> é o vetor momento linear da partícula. | |||
Pode-se mostrar que <math>\boldsymbol{\alpha}</math> e <math>\beta</math> devem satisfazer certos vínculos, limitando as escolhas possíveis para essas matrizes. A escolha mais simples e usualmente adotada consiste em tomar | |||
<center> | |||
<math> | |||
\beta = \begin{pmatrix} I_2 & 0 \\ 0 & -I_2 \end{pmatrix} = \begin{pmatrix} 1 & 0 & 0 & 0 \\ 0 & 1 & 0 & 0 \\ 0 & 0 & -1 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & -1 \end{pmatrix} | |||
</math> | |||
<math> | |||
\alpha_x = \begin{pmatrix} 0 & \sigma_x \\ \sigma_x & 0 \end{pmatrix} = \begin{pmatrix} 0 & 0 & 0 & 1 \\ 0 & 0 & 1 & 0 \\ 0 & 1 & 0 & 0 \\ 1 & 0 & 0 & 0 \end{pmatrix} | |||
</math> | |||
<math> | |||
\alpha_y = \begin{pmatrix} 0 & \sigma_y \\ \sigma_y & 0 \end{pmatrix} = \begin{pmatrix} 0 & 0 & 0 & -i \\ 0 & 0 & i & 0 \\ 0 & -i & 0 & 0 \\ i & 0 & 0 & 0 \end{pmatrix} | |||
</math> | |||
<math> | |||
\alpha_z = \begin{pmatrix} 0 & \sigma_z \\ \sigma_z & 0 \end{pmatrix} = \begin{pmatrix} 0 & 0 & 1 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & -1 \\ 1 & 0 & 0 & 0 \\ 0 & -1 & 0 & 0 \end{pmatrix} | |||
</math> | |||
</center> | |||
Sendo <math>\boldsymbol{p} = -i\hbar\nabla</math>, podemos escrever o produto escalar <math>\boldsymbol{\alpha} \cdot \boldsymbol{p}</math> como | |||
<center> | |||
<math> \boldsymbol{\alpha} \cdot \boldsymbol{p} = -i\hbar\left(\alpha_x \frac{\partial}{\partial x} + \alpha_y \frac{\partial}{\partial y} + \alpha_z \frac{\partial}{\partial z}\right)</math> | |||
</center> | |||
Portanto, em notação matricial o Hamiltoniano <math>H</math> pode ser escrito como | |||
<center> | |||
<math> | |||
H = -i \hbar c | |||
\begin{pmatrix} | |||
0 & 0 & \frac{\partial}{\partial z} & \frac{\partial}{\partial x} - i\frac{\partial}{\partial y} \\ | |||
0 & 0 & \frac{\partial}{\partial x} + i\frac{\partial}{\partial y} & -\frac{\partial}{\partial z} \\ | |||
\frac{\partial}{\partial z} & \frac{\partial}{\partial x} - i\frac{\partial}{\partial y} & 0 & 0 \\ | |||
\frac{\partial}{\partial x} + i\frac{\partial}{\partial y} & -\frac{\partial}{\partial z} & 0 & 0 \\ | |||
\end{pmatrix} + | |||
\begin{pmatrix} | |||
V + mc^2 + V_{sc} & 0 & 0 & 0 \\ | |||
0 & V + mc^2 + V_{sc} & 0 & 0 \\ | |||
0 & 0 & V - mc^2 - V_{sc} & 0 \\ | |||
0 & 0 & 0 & V - mc^2 - V_{sc} \\ | |||
\end{pmatrix} | |||
</math> | |||
<math> | |||
H = \begin{pmatrix} | |||
V + mc^2 + V_{sc} & 0 & -i\hbar c\frac{\partial}{\partial z} & -i\hbar c\frac{\partial}{\partial x} - \hbar c\frac{\partial}{\partial y} \\ | |||
0 & V + mc^2 + V_{sc} & -i\hbar c\frac{\partial}{\partial x} + \hbar c\frac{\partial}{\partial y} & i\hbar c\frac{\partial}{\partial z} \\ | |||
-i\hbar c\frac{\partial}{\partial z} & -i\hbar c\frac{\partial}{\partial x} - \hbar c\frac{\partial}{\partial y} & V - mc^2 - V_{sc} & 0 \\ | |||
-i\hbar c\frac{\partial}{\partial x} + \hbar c\frac{\partial}{\partial y} & i\hbar c\frac{\partial}{\partial z} & 0 & V - mc^2 - V_{sc} \\ | |||
\end{pmatrix} | |||
</math> | |||
</center> | |||
==Unidades naturais e redução para duas dimensões== | |||
A fim de simplificar o formalismo, adotamos as chamadas "unidades naturais", onde <math> \hbar = c = m = 1 </math>. Note que isso equivale a reescalar as quantidades físicas do problema por um fator adequado. Ao fazer <math>c=1</math>, também assumimos que a partícula está no limite relativístico. | |||
Além disso, queremos estudar o problema em duas dimensões. Observamos que <math>\Psi(x,y,z) = \Psi(x,y)</math>; logo, <math>\frac{\partial \Psi}{\partial z} = 0</math>. Portanto, temos o Hamiltoniano simplificado | |||
<center> | |||
<math> | |||
H = \begin{pmatrix} | |||
V + 1+ V_{sc} & 0 & 0 & -i\frac{\partial}{\partial x} - \frac{\partial}{\partial y} \\ | |||
0 & V + 1 + V_{sc} & -i\frac{\partial}{\partial x} + \frac{\partial}{\partial y} & 0 \\ | |||
0 & -i\frac{\partial}{\partial x} - \frac{\partial}{\partial y} & V - 1 - V_{sc} & 0 \\ | |||
-i\frac{\partial}{\partial x} + \frac{\partial}{\partial y} & 0 & 0 & V - 1 - V_{sc} \\ | |||
\end{pmatrix} | |||
</math> | |||
</center> | |||
==Forma explícita final== | |||
Retornando ao problema original, queremos resolver | |||
<center> | |||
<math> | |||
i\hbar \frac{\partial}{\partial t} \Psi = H\Psi \to \left[iI_4\frac{\partial}{\partial t} - H\right]\Psi = 0 | |||
</math> | |||
</center> | |||
Novamente utilizando a notação matricial, obtemos | |||
<center> | |||
<math> | |||
\begin{pmatrix} | |||
i \frac{\partial}{\partial t} - V - V_{sc} - 1 & 0 & 0 & i \frac{\partial}{\partial x} + \frac{\partial}{\partial y} \\ | |||
0 & i \frac{\partial}{\partial t} - V - V_{sc} - 1 & i \frac{\partial}{\partial x} - \frac{\partial}{\partial y} & 0 \\ | |||
0 & i \frac{\partial}{\partial x} + \frac{\partial}{\partial y} & i \frac{\partial}{\partial t} - V + V_{sc} + 1 & 0 \\ | |||
i \frac{\partial}{\partial x} - \frac{\partial}{\partial y} & 0 & 0 & i \frac{\partial}{\partial t} - V + V_{sc} + 1 | |||
\end{pmatrix} | |||
\begin{pmatrix} \Phi_1 \\ \Phi_2 \\ \Phi_3 \\ \Phi_4 \end{pmatrix} | |||
= 0 | |||
</math> | |||
</center> | |||
Realizando a multiplicação matricial, pode-se ver que se obtém dois sistemas acoplados: <math>\Phi_1</math> com <math>\Phi_4</math> e <math>\Phi_2</math> com <math>\Phi_3</math>. Escolhendo o sistema de <math>\Phi_1</math> com <math>\Phi_4</math>: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\begin{cases} | |||
\left(i \dfrac{\partial}{\partial t} - V - V_{sc} - 1\right) \Phi_1 + \left(i \dfrac{\partial}{\partial x} + \dfrac{\partial}{\partial y}\right) \Phi_4 = 0 \\ | |||
\left(i \dfrac{\partial}{\partial x} - \dfrac{\partial}{\partial y}\right) \Phi_1 + \left(i \dfrac{\partial}{\partial t} - V + V_{sc} + 1\right) \Phi_4 = 0 | |||
\end{cases} | |||
</math> | |||
</center> | |||
Simplificando e isolando a derivada temporal, obtemos por fim | |||
<center> | |||
<math> | |||
\begin{cases} | |||
\dfrac{\partial \Phi_1}{\partial t} = -i(V + V_{sc} + 1) \Phi_1 -\dfrac{\partial \Phi_4}{\partial x} + i\dfrac{\partial \Phi_4}{\partial y} \\ | |||
\dfrac{\partial \Phi_4}{\partial t} = -i(V - V_{sc} - 1) \Phi_4 -\dfrac{\partial \Phi_1}{\partial x} - i\dfrac{\partial \Phi_1}{\partial y} | |||
\end{cases} | |||
</math> | |||
</center> | |||
=Discretização= | |||
A equação de Dirac 1D pode ser escrita, na forma matricial, como: | |||
<center> | |||
<math> | |||
i \partial_t \mathbf{\Phi} = [-i\sigma_1\partial_x + \sigma_3] \mathbf{\Phi} + [V(t,x)I_2] \mathbf{\Phi} | |||
</math> | |||
</center> | |||
Onde <math>\mathbf{\Phi} = (\phi_1, \phi_4)^T</math> e <math>I_2</math> é matriz identidade de dimensão 2.\\ | |||
Para discretizar uma equação diferencial parcial como essa, é necessário discretizar o espaço e o tempo. Convenciona-se <math>\Delta t</math> como um passo finito de tempo e <math>h</math> como um passo finito no espaço, de tal forma que <math>x_j = x_0 + jh, t_n = t_0 + n\Delta t</math>, onde <math>j,n</math> são números inteiros. Define-se a notação <math>\mathbf{\Phi}(t_n, x_j) = \mathbf{\Phi}_j ^n</math> e também <math>V(t_n,x_n) = V^n _j</math>. Discretiza-se as derivadas parciais explicitamente com uma expansão em série de taylor da própria função: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\mathbf{\Phi^{n+1} _j} = \mathbf{\Phi^n _j} + \partial_t \mathbf{\Phi^n _j} \Delta t + \mathcal{O}(\Delta t ^2) | |||
</math> | |||
</center> | |||
Considerando uma derivada discretizada <math>\delta_t \approx \partial_t</math> e truncando na primeira ordem: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\delta_t\mathbf{\Phi^n _j} = \frac{\mathbf{\Phi^{n+1} _j} - \mathbf{\Phi^n _j}}{\Delta t} | |||
</math> | |||
</center> | |||
O processo é completamente análogo para a derivada espacial, porém para facilitar a aplicação do método mantém-se o espaço centrado em <math>x_j</math>, em outras palavras faz-se uma expansão em torno de <math>x_{j-1}</math>, obtendo: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\delta_x\mathbf{\Phi^n _j} = \frac{\mathbf{\Phi^n _{j+1}} - \mathbf{\Phi^n _{j-1}}}{2h} | |||
</math> | |||
</center> | |||
Com isso, obtém-se uma equação para um método explícito no tempo da equação de Dirac 1D. | |||
<center> | |||
<math> | |||
i \delta_t \mathbf{\Phi^n _j} = [-i\sigma_1\delta_x + \sigma_3] \mathbf{\Phi^n _j} + [V^n _jI_2] \mathbf{\Phi^n _j} | |||
</math> | |||
</center> | |||
<center> | |||
<math> | |||
i \frac{\mathbf{\Phi^{n+1} _j} - \mathbf{\Phi^n _j}}{\Delta t} = [-i\sigma_1\delta_x + \sigma_3] \mathbf{\Phi^n _j} + [V^n _jI_2] \mathbf{\Phi^n _j} | |||
</math> | |||
</center> | |||
<center> | |||
<math> | |||
i \mathbf{\Phi^{n+1} _j} = \mathbf{\Phi^n _j} + \Delta t[-i\sigma_1\delta_x + \sigma_3] \mathbf{\Phi^n _j} + \Delta t[V^n _jI_2] \mathbf{\Phi^n _j} | |||
</math> | |||
</center> | |||
Pode-se também desenvolver um método implícito no tempo fazendo a expansão de <math>\mathbf{\Phi^{n-1} _j}</math> em torno de <math>t_n</math>, obtendo: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\delta_t\mathbf{\Phi^n _j} = \frac{\mathbf{\Phi^{n} _j} - \mathbf{\Phi^{n-1} _j}}{\Delta t} | |||
</math> | |||
</center> | |||
Ao aplicar esta aproximação na equação discretizada basta dar um passo a frente em todos os elementos, obtendo um método implícito no tempo, já que há dependência com <math>t_{n+1}</math>. | |||
<center> | |||
<math> | |||
i \mathbf{\Phi^{n+1} _j} = \mathbf{\Phi^n _j} + \Delta t[-i\sigma_1\delta_x + \sigma_3] \mathbf{\Phi^{n+1} _j} + \Delta t[V^{n+1} _jI_2] \mathbf{\Phi^{n+1} _j} | |||
</math> | |||
</center> | |||
=Método de Crank-Nicolson= | |||
O método de Crank-Nicolson (CN) consiste em uma média entre um método explícito e outro implícito no espaço. Utilizar-se-á a notação <math>\mathbf{\Phi^{n+1/2} _j}</math> para representar justamente a média entre ambos os métodos, ou seja: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\mathbf{\Phi^{n+1/2} _j} = \frac{\mathbf{\Phi^{n+1} _j} + \mathbf{\Phi^n _j}}{2} | |||
</math> | |||
</center> | |||
Define-se a notação: | |||
<center> | |||
<math> | |||
V^{n+1/2} _j\mathbf{\Phi^{n+1/2} _j} = \frac{ V^{n+1} _j\mathbf{\Phi^{n+1} _j} + V^{n} _j\mathbf{\Phi^n _j}}{2} | |||
</math> | </math> | ||
</center> | </center> | ||
Dessa maneira, enuncia-se o método CN para a equação de Dirac 1D como: | |||
== | <center> | ||
<math> | |||
i \delta_t \mathbf{\Phi^n _j} = [-i\sigma_1\delta_x + \sigma_3] \mathbf{\Phi^{n+1/2} _j} + [V^{n+1/2} _jI_2] \mathbf{\Phi^{n+1/2} _j} | |||
</math>, | |||
</center> | |||
onde <math>\delta_t, \delta_x </math> são as discretizações explícitas das derivadas. | |||
Para que seja possível aplicar e estudar o método, é necessário passar da notação matricial para escalar: | |||
<center> | |||
<math> | |||
i \delta_t \mathbf{\Phi^n _j} = -i\sigma_1\delta_x\left(\frac{\mathbf{\Phi^{n+1} _j} + \mathbf{\Phi^n _j}}{2}\right) + \sigma_3\left(\frac{\mathbf{\Phi^{n+1} _j} + \mathbf{\Phi^n _j}}{2}\right) + I_2 \left(\frac{V^{n+1} _j \mathbf{\Phi^{n+1} _j} + V^n _j\mathbf{\Phi^n _j}}{2}\right) | |||
</math> | |||
</center> | |||
<center> | |||
<math> | |||
i \frac{\mathbf{\Phi^{n+1} _j} - \mathbf{\Phi^n _j}}{\Delta t} = -\frac{i}{2}\sigma_1\left[\frac{\mathbf{\Phi^{n+1} _{j+1}} - \mathbf{\Phi^{n+1} _{j-1}}}{2h} + \frac{\mathbf{\Phi^n _{j+1}} - \mathbf{\Phi^n _{j-1}}}{2h} \right] + \sigma_3\left(\frac{\mathbf{\Phi^{n+1} _j} + \mathbf{\Phi^n _j}}{2}\right) + I_2 \left(\frac{V^{n+1} _j \mathbf{\Phi^{n+1} _j} + V^n _j\mathbf{\Phi^n _j}}{2}\right) | |||
</math> | |||
</center> | |||
Isolando cada tempo em um lado da igualdade: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\left[I_2 + \frac{i}{2}\Delta t\sigma_3 + \frac{i}{2}\Delta t V^{n+1} _j I_2\right]\mathbf{\Phi^{n+1} _j} + \frac{\Delta t}{4h}\sigma_1\left[\mathbf{\Phi^{n+1} _{j+1}} - \mathbf{\Phi^{n+1} _{j-1}}\right] = </math> | |||
<math> | |||
\left[I_2 - \frac{i}{2}\Delta t\sigma_3 - \frac{i}{2}\Delta t V^{n} _j I_2\right]\mathbf{\Phi^{n} _j} - \frac{\Delta t}{4h}\sigma_1\left[\mathbf{\Phi^{n} _{j+1}} - \mathbf{\Phi^{n} _{j-1}}\right] | |||
</math> | |||
</center> | |||
Abrindo as matrizes <math>\sigma_1, \sigma_3</math> e <math>I_2</math> e operando-as sobre o vetor <math>\mathbf{\Phi}</math> na equação, tem-se: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\left(\begin{bmatrix} | |||
1 & 0 \\ | |||
0 & 1 \\ | |||
\end{bmatrix} | |||
+\frac{i\Delta t}{2} | |||
\begin{bmatrix} | |||
1 & 0 \\ | |||
0 & -1 \\ | |||
\end{bmatrix} | |||
+ \frac{i}{2}\Delta t V^{n+1} _j | |||
\begin{bmatrix} | |||
1 & 0 \\ | |||
0 & 1 \\ | |||
\end{bmatrix}\right) | |||
\begin{bmatrix} | |||
\psi^{n+1} _{1,j} \\ | |||
\psi^{n+1} _{4,j} \\ | |||
\end{bmatrix} | |||
+\frac{\Delta t}{4h} | |||
\begin{bmatrix} | |||
0 & 1 \\ | |||
1 & 0 \\ | |||
\end{bmatrix} | |||
\begin{bmatrix} | |||
\psi^{n+1} _{1,j+1} - \psi^{n+1} _{1,j-1} \\ | |||
\psi^{n+1} _{4,j+1} - \psi^{n+1} _{4,j-1} \\ | |||
\end{bmatrix} = | |||
\left(\begin{bmatrix} | |||
1 & 0 \\ | |||
0 & 1 \\ | |||
\end{bmatrix} | |||
-\frac{i\Delta t}{2} | |||
\begin{bmatrix} | |||
1 & 0 \\ | |||
0 & -1 \\ | |||
\end{bmatrix} | |||
-\frac{i}{2}\Delta t V^{n} _j | |||
\begin{bmatrix} | |||
1 & 0 \\ | |||
0 & 1 \\ | |||
\end{bmatrix}\right) | |||
\begin{bmatrix} | |||
\psi^{n} _{1,j} \\ | |||
\psi^{n} _{4,j} \\ | |||
\end{bmatrix} | |||
-\frac{\Delta t}{4h} | |||
\begin{bmatrix} | |||
0 & 1 \\ | |||
1 & 0 \\ | |||
\end{bmatrix} | |||
\begin{bmatrix} | |||
\psi^{n} _{1,j+1} - \psi^{n} _{1,j-1} \\ | |||
\psi^{n} _{4,j+1} - \psi^{n} _{4,j-1} \\ | |||
\end{bmatrix} | |||
</math> | |||
</center> | |||
Pode-se realizar as operações matriciais e escrever duas equações escalares. Para facilitar a notação, utiliza-se <math>f^n _j = \psi^n _{1,j}</math> e <math>g^n _j = \psi^n _{4,j}</math>: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\begin{cases} | |||
\left[1 + \frac{i \Delta t}{2}(V^{n+1} _j + 1)\right]f^{n+1} _j + \frac{\Delta t}{4h}(g^{n+1}_{j+1} - g^{n+1}_{j-1}) = \left[1 - \frac{i \Delta t}{2}(V^{n} _j + 1)\right]f^{n} _j - \frac{\Delta t}{4h}(g^{n}_{j+1} - g^{n}_{j-1}) \\ | |||
\left[1 + \frac{i \Delta t}{2}(V^{n+1} _j - 1)\right]g^{n+1} _j + \frac{\Delta t}{4h}(f^{n+1}_{j+1} - f^{n+1}_{j-1} ) = \left[1 - \frac{i \Delta t}{2}(V^{n} _j - 1)\right]g^{n} _j - \frac{\Delta t}{4h}(f^{n}_{j+1} - f^{n}_{j-1}) | |||
\end{cases} | |||
</math> | |||
</center> | |||
Tem-se então um número <math>n</math> de equações onde <math>n</math> é o número de elementos do espaço discretizado. Portanto o primeiro termo das duas equações gera uma matriz diagonal, pois multiplica os termos espaciais dependentes de <math>x_j</math>; já o segundo termo gera uma matriz tridiagonal com diagonal principal nula. Nota-se que os primeiros termos dos dois lados da igualdade são o conjugado um do outro: define-se, portanto, <math>\alpha^n = 1 + \frac{i \Delta t}{2}(V^{n+1} _j + 1)</math> e <math>\beta = 1 + \frac{i \Delta t}{2}(V^{n+1} _j - 1)</math>. | |||
<center> | |||
<math> | |||
\begin{cases} | |||
\alpha^{n+1}f^{n+1} _j + \dfrac{\Delta t}{4h}(g^{n+1}_{j+1} - g^{n+1}_{j-1}) = | |||
\alpha^{n^*}f^{n} _j - \dfrac{\Delta t}{4h}(g^{n}_{j+1} - g^{n}_{j-1} ) \\ | |||
\beta^{n+1}g^{n+1} _j + \dfrac{\Delta t}{4h}(f^{n+1}_{j+1} - f^{n+1}_{j-1} ) = | |||
\beta^{n^*}g^{n} _j - \dfrac{\Delta t}{4h}(f^{n}_{j+1} - f^{n}_{j-1}) | |||
\end{cases} | |||
</math> | |||
</center> | |||
Considerando que o potencial <math>V</math> é só função da posição, escreve-se o método como: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\begin{cases} | |||
Af^{n+1} + Bg^{n+1} = A^*f^n - Bg^n \\ | |||
Cg^{n+1} + Bf^{n+1} = C^*g^n - Bf^n \\ | |||
\end{cases} | |||
</math>, | |||
</center> | |||
onde | |||
<center> | |||
<math> | |||
A = \begin{bmatrix} | |||
\alpha & 0 & 0 & \cdots & 0\\ | |||
0 & \alpha & 0 & \cdots & 0 \\ | |||
0 & 0 & \alpha & \cdots & 0 \\ | |||
\vdots & \vdots & \vdots & \ddots & \vdots \\ | |||
0 & \cdots & \cdots & \cdots & \alpha \\ | |||
\end{bmatrix}; \quad | |||
B = \begin{bmatrix} | |||
0 & \frac{\Delta t}{4h} & 0 & \cdots & 0\\ | |||
-\frac{\Delta t}{4h} & 0 & \frac{\Delta t}{4h} & \cdots & 0 \\ | |||
0 & -\frac{\Delta t}{4h} & 0 & \cdots & 0 \\ | |||
\vdots & \vdots & \ddots & \ddots & \vdots \\ | |||
0 & \cdots & \cdots & -\frac{\Delta t}{4h} & 0 \\ | |||
\end{bmatrix}; \quad | |||
C = \begin{bmatrix} | |||
\beta & 0 & 0 & \cdots & 0\\ | |||
0 & \beta & 0 & \cdots & 0 \\ | |||
0 & 0 & \beta & \cdots & 0 \\ | |||
\vdots & \vdots & \vdots & \ddots & \vdots \\ | |||
0 & \cdots & \cdots & \cdots & \beta \\ | |||
\end{bmatrix} | |||
</math>. | |||
</center> | |||
Por fim, pode-se escrever o método resolvendo o sistema | |||
<center> | |||
<math> | |||
\begin{cases} | |||
f^{n+1} = F^{-1}D f^n -F^{-1}E g^n \\ | |||
g^{n+1} = J^{-1}G g^n - J^{-1}H f^n \\ | |||
\end{cases} | |||
</math>, | |||
</center> | |||
onde <math>D = (B^{-1}A^* + C^{-1}B)</math>, <math>E = (I - C^{-1}C^*)</math>, <math>F = (B^{-1}A - C^{-1}B)</math>, <math>G = (A^{-1}A^* + I)</math>, <math>H = (A^{-1}B + B^{-1}C^*)</math> e <math>J= (A^{-1}B - B^{-1}C)</math>. | |||
Com isso, e com condições iniciais e de contorno bem estabelecidas, já é possível aplicar o método, dado que todas essas matrizes dependem somente dos parâmetros do sistema. | |||
=Estabilidade Crank-Nicolson= | |||
Utilizar-se-á o método de von Neumann para analisar a estabilidade do método de Crank-Nicolson para a equação de Dirac unidimensional. Para tanto, supõe-se que a função <math>\mathbf{\Phi^{n} _j}</math> pode ser dada pela série de Fourier | |||
<center> | |||
<math> | |||
\mathbf{\Phi^{n} _j} = \sum_{k=0}^{\inf} \mathbf{A}^{n}e^{ikqjh} | |||
</math> | |||
</center> | |||
Devido à independência linear de cada termo do somatório, ao substituir na equação do método haverá uma equação para cada ente do somatório. Se <math>\left|\frac{\mathbf{A}^{n+1}}{\mathbf{A}^{n}}\right| \le 1</math>, então pode-se dizer que o método estável, já que dessa forma garante-se uma não divergência. | |||
Aplica-se um termo geral da série de índice <math>k</math> no método CN para a equação de Dirac 1D: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\left[I_2 + \frac{i}{2}\Delta t\sigma_3 + \frac{i}{2}\Delta t V^{n+1} _j I_2\right]\mathbf{A}^{n+1}e^{ikqjh} + \frac{\Delta t}{4h}\sigma_1\mathbf{A}^{n+1}\left[e^{ikq(j+1)h} - e^{ikq(j-1)h}\right] = | |||
\left[I_2 - \frac{i}{2}\Delta t\sigma_3 - \frac{i}{2}\Delta t V^{n} _jI_2\right]\mathbf{A}^{n}e^{ikqjh} - \frac{\Delta t}{4h}\sigma_1\mathbf{A}^{n}\left[e^{ikq(j+1)h} - e^{ikq(j-1)h}\right] | |||
</math> | |||
</center> | |||
Divide-se tudo por <math>e^{ikqjh}</math> e isola-se <math>\mathbf{A}</math>: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\left[I_2 + \frac{i}{2}\Delta t\sigma_3 + \frac{i}{2}\Delta t V^{n+1} _j I_2 + \frac{\Delta t}{4h}\sigma_1\left(e^{ikqh} - e^{-ikqh}\right)\right]\mathbf{A}^{n+1}= | |||
\left[I_2 - \frac{i}{2}\Delta t\sigma_3 - \frac{i}{2}\Delta t V^{n} _jI_2 - \frac{\Delta t}{4h}\sigma_1\left(e^{ikqh} - e^{-ikqh}\right)\right]\mathbf{A}^{n} | |||
</math> | |||
<math> | |||
\left[I_2 + \frac{i}{2}\Delta t\sigma_3 + \frac{i}{2}\Delta t V^{n+1} _j I_2 + \frac{\Delta t}{4h}\sigma_1\left(\frac{\sin (kqh)}{2i}\right)\right]\mathbf{A}^{n+1}= | |||
\left[I_2 - \frac{i}{2}\Delta t\sigma_3 - \frac{i}{2}\Delta t V^{n} _jI_2 - \frac{\Delta t}{4h}\sigma_1\left(\frac{\sin (kqh)}{2i}\right)\right]\mathbf{A}^{n} | |||
</math> | |||
<math> | |||
\left[I_2 + \frac{i}{2}\Delta t\sigma_3 + \frac{i}{2}\Delta t V^{n+1} _j I_2 - \frac{i\Delta t}{4h}\sigma_1\left(\frac{\sin (kqh)}{2}\right)\right]\mathbf{A}^{n+1}= | |||
\left[I_2 - \frac{i}{2}\Delta t\sigma_3 - \frac{i}{2}\Delta t V^{n} _jI_2 + \frac{i\Delta t}{4h}\sigma_1\left(\frac{\sin (kqh)}{2}\right)\right]\mathbf{A}^{n} | |||
</math> | |||
</center> | |||
Nota-se que os termos que multiplicam o fator <math>\mathbf{A}</math> são o conjugado um do outro. Define-se <math>z = I_2 + \frac{i}{2}\Delta t\sigma_3 + \frac{i}{2}\Delta t V^{n+1} _j I_2 - \frac{i\Delta t}{4h}\sigma_1\left(\frac{\sin (kqh)}{2}\right)</math>; dessa maneira: | |||
<center> | |||
<math> | |||
\frac{\mathbf{A}^{n+1}}{\mathbf{A}^{n}} = \frac{z^*}{z} | |||
</math> | |||
</center> | |||
<center> | |||
<math> | |||
\left|\frac{\mathbf{A}^{n+1}}{\mathbf{A}^{n}}\right| = \left|\frac{z^*}{z}\right| = \frac{|z^*|}{|z|} = 1 | |||
</math>, | |||
</center> | |||
onde <math>z</math> é sempre diferente de zero, visto que a parte real é dada por uma matriz identidade constante. | |||
Mostra-se, portanto, que a razão entre os coeficientes da série de Fourier nunca diverge, ou seja, o método é incondicionalmente estável. | |||
=Referências= | =Referências= | ||
# The quantum theory of the electron. Proceedings of the Royal Society of London | # The quantum theory of the electron. Proceedings of the Royal Society of London A, v. 117, n. 778, p. 610–624, fev. 1928. | ||
# SAKURAI, J. J. Mecânica quântica moderna. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2012. | # SAKURAI, J. J. Mecânica quântica moderna. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2012. | ||
# BAO, W. et al. Numerical Methods and Comparison for the Dirac Equation in the Nonrelativistic Limit Regime. Journal of Scientific Computing, v. 71, n. 3, p. 1094–1134, jun. 2017. | |||
# SOFF, G. et al. Solution of the Dirac Equation for Scalar Potentials and its Implications in Atomic Physics. Zeitschrift für Naturforschung A, v. 28, n. 9, p. 1389–1396, 1 set. 1973. | |||
# THALLER, B. The Dirac equation. Berlin: Springer, 2010. |
Edição atual tal como às 21h15min de 3 de maio de 2024
Grupo: André Luis Della Valentina, Lucas dos Santos Assmann, Vinícius Bayne Müller
Introdução
A equação de Dirac descreve uma partícula relativística de spin , como o elétron, com estrutura análoga a da equação de Schrödinger. Ela surgiu inicialmente como tentativa de explicar discrepâncias entre experimentos e teoria para o espectro do átomo de hidrogênio, possibilitando correções para o cálculo da energia do elétron em diferentes níveis (as chamadas correções de estrutura fina). Além disso, por meio dela foi possível prever a existência de antimatéria: descrevendo o elétron, ela também descreve o pósitron.
A fim de compatibilizar a Mecânica Quântica com a Relatividade Especial, a equação diferencial parcial é de primeira ordem tanto no tempo quanto no espaço (diferentemente da equação de Schrödinger, que é de segunda ordem no espaço). A equação de Dirac pode ser escrita de diversas formas; aqui, apresentamo-la explicitamente como um sistema de EDPs acopladas, mais conveniente para os propósitos do trabalho.
Assim como a equação de Schrödinger, a construção da equação de Dirac vem a partir do operador Hamiltoniano, que descreve a evolução temporal do estado quântico em questão:
onde, como anteriormente, os autovalores de correspondem aos valores possíveis de energia que o sistema pode assumir.
A mudança com relação à Mecânica Quântica não relativística acontece quando consideramos a energia relativística da partícula:
Assim, o Hamiltoniano é modificado para representar a medida da energia relativística total.
Diferentemente da equação de Schrödinger, aqui não representa apenas uma função de onda, mas sim um conjunto de quatro delas. Usando a notação
,
as componentes de representam as funções de onda associadas ao elétron e ao pósitron: () representa a função de onda do elétron com spin up (down), e () representa a função de onda do pósitron com spin up (down). O objeto é chamado de spinor.
Dedução da equação de Dirac em duas dimensões
Consideraremos neste trabalho a equação de Dirac em duas dimensões, e . A escolha dessas coordenadas se dá pela conveniência do acoplamento das EDPs: nesse caso, as quatro equações acopladas passam a ser acopladas duas a duas, facilitando o estudo do sistema.
Construção do Hamiltoniano completo
Consideremos uma partícula sob ação de um potencial (onde ), que afeta a energia potencial da partícula, e de um potencial "escalar" , que afeta a massa de repouso da mesma. Seguindo uma das propostas possíveis para o Hamiltoniano, temos
onde ; e são matrizes 4x4 adimensionais e é o vetor momento linear da partícula.
Pode-se mostrar que e devem satisfazer certos vínculos, limitando as escolhas possíveis para essas matrizes. A escolha mais simples e usualmente adotada consiste em tomar
Sendo , podemos escrever o produto escalar como
Portanto, em notação matricial o Hamiltoniano pode ser escrito como
Unidades naturais e redução para duas dimensões
A fim de simplificar o formalismo, adotamos as chamadas "unidades naturais", onde . Note que isso equivale a reescalar as quantidades físicas do problema por um fator adequado. Ao fazer , também assumimos que a partícula está no limite relativístico.
Além disso, queremos estudar o problema em duas dimensões. Observamos que ; logo, . Portanto, temos o Hamiltoniano simplificado
Forma explícita final
Retornando ao problema original, queremos resolver
Novamente utilizando a notação matricial, obtemos
Realizando a multiplicação matricial, pode-se ver que se obtém dois sistemas acoplados: com e com . Escolhendo o sistema de com :
Simplificando e isolando a derivada temporal, obtemos por fim
Discretização
A equação de Dirac 1D pode ser escrita, na forma matricial, como:
Onde e é matriz identidade de dimensão 2.\\ Para discretizar uma equação diferencial parcial como essa, é necessário discretizar o espaço e o tempo. Convenciona-se como um passo finito de tempo e como um passo finito no espaço, de tal forma que , onde são números inteiros. Define-se a notação e também . Discretiza-se as derivadas parciais explicitamente com uma expansão em série de taylor da própria função:
Considerando uma derivada discretizada e truncando na primeira ordem:
O processo é completamente análogo para a derivada espacial, porém para facilitar a aplicação do método mantém-se o espaço centrado em , em outras palavras faz-se uma expansão em torno de , obtendo:
Com isso, obtém-se uma equação para um método explícito no tempo da equação de Dirac 1D.
Pode-se também desenvolver um método implícito no tempo fazendo a expansão de em torno de , obtendo:
Ao aplicar esta aproximação na equação discretizada basta dar um passo a frente em todos os elementos, obtendo um método implícito no tempo, já que há dependência com .
Método de Crank-Nicolson
O método de Crank-Nicolson (CN) consiste em uma média entre um método explícito e outro implícito no espaço. Utilizar-se-á a notação para representar justamente a média entre ambos os métodos, ou seja:
Define-se a notação:
Dessa maneira, enuncia-se o método CN para a equação de Dirac 1D como:
,
onde são as discretizações explícitas das derivadas.
Para que seja possível aplicar e estudar o método, é necessário passar da notação matricial para escalar:
Isolando cada tempo em um lado da igualdade:
Abrindo as matrizes e e operando-as sobre o vetor na equação, tem-se:
Pode-se realizar as operações matriciais e escrever duas equações escalares. Para facilitar a notação, utiliza-se e :
Tem-se então um número de equações onde é o número de elementos do espaço discretizado. Portanto o primeiro termo das duas equações gera uma matriz diagonal, pois multiplica os termos espaciais dependentes de ; já o segundo termo gera uma matriz tridiagonal com diagonal principal nula. Nota-se que os primeiros termos dos dois lados da igualdade são o conjugado um do outro: define-se, portanto, e .
Considerando que o potencial é só função da posição, escreve-se o método como:
,
onde
.
Por fim, pode-se escrever o método resolvendo o sistema
,
onde , , , , e .
Com isso, e com condições iniciais e de contorno bem estabelecidas, já é possível aplicar o método, dado que todas essas matrizes dependem somente dos parâmetros do sistema.
Estabilidade Crank-Nicolson
Utilizar-se-á o método de von Neumann para analisar a estabilidade do método de Crank-Nicolson para a equação de Dirac unidimensional. Para tanto, supõe-se que a função pode ser dada pela série de Fourier
Devido à independência linear de cada termo do somatório, ao substituir na equação do método haverá uma equação para cada ente do somatório. Se , então pode-se dizer que o método estável, já que dessa forma garante-se uma não divergência.
Aplica-se um termo geral da série de índice no método CN para a equação de Dirac 1D:
Divide-se tudo por e isola-se :
Nota-se que os termos que multiplicam o fator são o conjugado um do outro. Define-se ; dessa maneira:
,
onde é sempre diferente de zero, visto que a parte real é dada por uma matriz identidade constante.
Mostra-se, portanto, que a razão entre os coeficientes da série de Fourier nunca diverge, ou seja, o método é incondicionalmente estável.
Referências
- The quantum theory of the electron. Proceedings of the Royal Society of London A, v. 117, n. 778, p. 610–624, fev. 1928.
- SAKURAI, J. J. Mecânica quântica moderna. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2012.
- BAO, W. et al. Numerical Methods and Comparison for the Dirac Equation in the Nonrelativistic Limit Regime. Journal of Scientific Computing, v. 71, n. 3, p. 1094–1134, jun. 2017.
- SOFF, G. et al. Solution of the Dirac Equation for Scalar Potentials and its Implications in Atomic Physics. Zeitschrift für Naturforschung A, v. 28, n. 9, p. 1389–1396, 1 set. 1973.
- THALLER, B. The Dirac equation. Berlin: Springer, 2010.