Global Wealth Report 2023
A UBS e a Credit Suiss elaboraram em conjunto um relatório sobre riqueza global no ano de 2022. Neste relatório, afirmam que esta é a fonte mais atualizada sobre a distribuição de riqueza no mundo, elaborada pelo maior gestor global de riqueza. É um relatório no qual o PDF possui pouco mais de 75 páginas e eu vou tentar até como um exercício de estudo resumi-lo.
Mantendo a estrutura do relatório, o primeiro capítulo trata do nível de riqueza global.
Em resumo houve uma queda tanto na riqueza global total quanto per capita, essa queda em grande parte pode ser atribuída pela relação entre o dólar e outras moedas. Os países que apresentaram um aumento de riqueza por domicílio têm como um dos motivos deste resultado o suporte financeiro fornecido pelo governo central. Em geral, países ricos que auxiliaram financeiramente a população se saíram melhor que países pobres sem condições de adotarem as mesmas medidas.
A inflação por sua vez tornou mais fácil que fosse atingido o limiar do milhão em dólares (ou seja, a formação de novos milionários) e também encorajou a conversão para ativos não financeiros. É interessante notar que o Brasil apresentou índices relativamente positivos sobre o último ano.
Fazendo alguns recortes de gênero, o relatório traz alguns dados sobre a população dos EUA que me chamam a atenção. Eu destaco dois deles: a mediana da riqueza da população negra é pouco mais de 10% em comparação com os brancos não-hispânicos, os hispânicos são 20% em relação à mesma população. Podemos assumir que o topo da pirâmide da distribuição de riquezas é constituído principalmente de homens brancos, uma vez que as mulheres também uma riqueza que é uma fração dos homens. Para recorte de gênero os dados são mais escassos, mas em geral as mulheres recebem apenas uma fração do que os homens, entre 65% e 80% nos países altos índices de riqueza, mas podendo chegar a 25% em algumas regiões.
Quando olhamos o recorte de gerações, é interessante notar que existe uma transferência de riqueza entre as gerações, onde as gerações mais velhas perdem riqueza ao passo que as mais novas ganham, um dos possíveis motivos é a transferência dentro da própria família.
A maior parte da crise financeira parece que atingiu em menor intensidade as minorias políticas, isso se deve ao fato que, por exemplo, quando olhamos a população hispânica, a maior parte da sua riqueza está na forma de riqueza não-financeira, isto é, seu próprio domicílio. Brancos que são o recorte da população que possuem tanto a maior riqueza média quanto mediana são o recorte que também possuem a maior parte da sua riqueza na forma de riqueza financeira.
Isso volta a se repetir ao longo do relatório, mas não só entre indivíduos, é visto também entre países, enquanto a base da pirâmide tem sua riqueza constituída principalmente de ativos não-financeiros (em grande parte a residência), o topo da pirâmide possui uma riqueza predominantemente financeira.
Antes de continuar talvez seja interessante definir alguns termos:
- Riqueza: é definido como a soma dos ativos financeiros e não-financeiros, descontado as dívidas.
- Riqueza financeira e não financeira: o primeiro consiste em ativos como ações e títulos, são ativos negociados em bolsas que podem ser comprados e vendidos em qualquer dia útil que a bolsa esteja aberta. O segundo consiste em ativos como casa ou veículo, são ativos mais difíceis de se vender pois necessita que o vendedor encontre um comprador em potencial e negocie um preço de venda.
O relatório também nomeia duas fatias da população: aqueles que têm um patrimônio líquido alto (High-net-worth ou HNW) e aqueles que têm um patrimônio líquido muito alto (Ultra-High-net-worth ou UHNW). Enquanto os primeiros são aqueles que têm um patrimônio entre 1 e 50 milhões de dólares, o segundo são os que possuem acima de 50 milhões.
Esse recorte mostra-se útil, pois o topo da pirâmide da distribuição de riqueza tem um comportamento particularmente diferente do resto da mesma. Como foi dito anteriormente, uma dessas características é a distribuição dos seus ativos, sendo predominantemente financeiro, enquanto o resto da população, principalmente em sua base, tem uma maior predominância de ativos não financeiros. Como consequência disso, crises financeiras atingem de forma diferente os dois grupos. Além disso, um maior patrimônio garante maior segurança e estabilidade para lidar com as crises, o que também resulta em diferentes estratégias e consequências.
Antes de continuar, gostaria de chamar a atenção para algumas observações pessoais. O relatório apesar de se basear em dados, também utiliza estimativas, nem tudo são dados, mas a distribuição das riquezas é feita também através de estimativas. A própria lista de bilionários da Forbes é utilizada para melhorar a estimativa dos milionários e produzir aquilo que o relatório considera como valores plausíveis para o padrão global no topo da pirâmide.
Além deste relatório que inclui discussão, existe o databook, com os dados brutos e uma melhor descrição das estimativas utilizadas. Isto pode interessar aqueles que queiram conhecer o relatório com mais detalhes. Mas arriscando deixar claro minha ignorância, eu não consigo deixar de lado um certo incômodo com algumas das métricas utilizadas. A própria diminuição da riqueza global é em grande parte consequência direta da relação das taxas de câmbio entre as moedas e não da produção ou destruição de bens ou serviços que podem ser usufruídos pela população já me levanta algumas questões sobre qual é a informação real que estamos obtendo através deste índice. A ideia de que eu sendo de dono de uma mesma casa por dois anos seguintes, minha riqueza pode aumentar em diminuir de acordo com a relação entre o real e o dólar, me parece uma camada de abstração na relação real entre as coisas e as pessoas que merecem um estudo mais aprofundado.
Da mesma forma, a definição de limites fixos definidos em dólar mundialmente me levanta questionamentos. O primeiro recorte que aparece é aqueles com riqueza abaixo de $10.000, e um dos últimos é o discutido anteriormente com riqueza superior a $1.000.000. Mas apesar de caírem no mesmo grupo, duas pessoas com o mesmo $50.000 no Brasil e nos EUA, me parece que não estão na mesma situação financeira. Como qualquer relatório e pesquisa, limitações são necessárias, mas chamo atenção para estas pois de certa forma, elas vão se retomar quando discutirmos a desigualdade no mundo.