Ressonância Estocástica

De Física Computacional
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Introdução

A ressonância estocástica (RE) é o fenômeno em sistemas não-lineares em que sinais fracos podem ser amplificados e otimizados por um ruído branco, sendo o efeito encontrado em função do nível de ruído e de características do sistema e do sinal. [1]


Linear vs não linear:

A concepção convencional é de que ruídos deterioram um sinal, oposto do que acontece na Ressonância Estocástica (RE). Um ponto chave para essa discrepância é a distinção entre sistemas lineares e não-lineares. Em termos gerais, em sistemas lineares, a combinação de duas entradas resulta em uma saída equivalente à combinação das saídas que o sistema daria para cada entrada em separado. [2] Ou seja, para uma função f linear, se f(x) = y e f(a) = b, então f(x+a) = y+b. Sistemas não-lineares, por outro lado, são todos aqueles que não são lineares. [2] É de se esperar que em sistemas lineares a adição de ruído possa apenas degradar ou mascarar um sinal inicial (o exemplo mais simples é a soma direta do ruído ao sinal). A RE é portanto um processo próprio de sistemas não-lineares. A não-linearidade, contudo, não é condição suficiente para que o fenômeno ocorra.

Condições para RE: Em geral, são condições necessárias para RE [1]:

- Barreira/Limiar: um “obstáculo” à percepção de um sinal ou ao acontecimento de um evento. Um exemplo simples seria o efeito de “delta” em: f(x) = x, se x > delta; f(x) = 0, se x <= delta [ex]

- Sinal Fraco Coerente: um sinal (entrada) que obedeça certo padrão e não seja, em geral, capaz de “superar” a barreira ou limiar associado ao sistema. O sentido físico dessa “superação” depende do sistema. Seguindo o exemplo anterior, essa condição seria satisfeita se x <= delta fosse verdade para todos x, por exemplo.

- Fonte de Ruído Não Correlacionado (ou “ruído branco”): um sinal estocástico não-autocorrelacionado, de média zero, que não carrega informação se não por sua intensidade, que é a mesma para todas as frequências (e, no caso de um ruído branco gaussiano, está ligada ao desvio padrão).

Breve apanhado histórico

- Primeiras Verificações Experimentais: Em tradução livre de [intro do 1]: ”Uma primeira verificação experimental do fenômeno de ressonância estocástica foi obtida por Fauve e Heslot (1983), que estudaram como a linha espectral de um gatilho de Schmitt dependia do ruído. O campo permaneceu então meio adormecido até a era moderna da ressonância estocástica ser introduzida por um experimento chave em um ring laser biestável (McNamara, Wiesenfeld, e Roy, 1988).”

- Proposta Inicial: A primeira proposta para o fenômeno da RE foi elaborada pouco antes, a partir de 1981, no contexto do estudo sobre eras do gelo [Benzi et al., 1981, 1982, 1983, segundo intro do 1]. [1] Foi observado que as eras glaciais aconteceriam com período da ordem de 10^5 anos, sendo a variação da excentricidade orbital da Terra o único fenômeno cosmológico relevante com período em ordem comparável. Essas variações, contudo, representam uma diferença de no máximo 0,1% no fluxo de entrada de energia solar na superfície da Terra, o que a princípio não seria suficiente para explicar o fenômeno das eras glaciais. [1, intro] A solução proposta modelava o sistema como tendo com dois locos de estabilidade para temperaturas da Terra (essencialmente os estados “em-era-do-gelo” ou “não-em-era-do-gelo”, com uma “barreira” entre eles), uma pequena variação periódica da insolação devido à excentricidade (“sinal”) e variações “aleatórias” anuais de temperatura (“ruído”). A existência das eras do gelo, com sua periodicidade, seria então explicada pelo fenômeno de RE. [1, intro] Sistemas assim são chamados biestáveis. Essa proposta de modelagem acabou por se mostrar limitada [4 e 5, vide “Eras do Gelo” aqui], mas o fenômeno, além das confirmações experimentais já citadas, foi aplicado com sucesso numa grande diversidade de áreas, inclusive no estudo das eras glaciais [vide “Algumas Outras Aplicações”, aqui].

- Outros “Tipos” de RE: Após a proposta do primeiro modelo, classificado como biestável por ter dois locos de estabilidade, mais dois tipos importantes de processos de RE começaram a ser estudados: os detectores de limiar e os excitáveis. Os excitáveis estão relacionados a sistemas com um único estado estável, mas que contam também com um estado excitado de decaimento lento (se comparado à taxa de relaxamento de pequenas perturbações em torno do estado estável). O exemplo [ex] dado na introdução, adicionado de um filtro 1-ou-0, pode ser usado para visualizar RE de limiar. Em particular, de forma bem direta, pode ser usado para exemplificar o efeito da RE na percepção humana de sinais visuais com certas características, como veremos em detalhes a seguir. Sistemas excitáveis e de detecção de limiar acabaram por encontrar aplicação em outros campos, como na neurofisiologia de lagostins. [1]

RE em Detectores de limiar:

Primeiras noções

Tomemos inicialmente um sinal com uma intensidade S dada em função de uma posição x, ou seja, S = f(x), sujeito, para todo x, a um limiar de detecção Delta. A saída do nosso sistema será, para cada x, 1 ou 0 (representados por “branco” ou “preto”) , correspondendo apenas à informação de se o sinal cruzou ou não o limiar - a diferença exata não importa. Podemos imaginar três casos: F(x) < Delta para todo x, onde o sinal “some”; F(x) > Delta para todo x, onde “vemos” que o sinal existe e ultrapassa o limiar em todos pontos, mas não temos ideia de sua estrutura interna para além disso. F(x) com algumas regiões acima de Delta e outras abaixo, onde temos um pouco de informação sobre parte dessa estrutura, mas de forma em geral coarsa. A RE pode ajudar a reconstruir a informação do sinal nos três casos, mas nos exemplos a seguir nos focaremos inicialmente no primeiro, representado na figura 1:

Gráfico 1: Sinal abaixo do limiar de detecção.

O sinal - curva na parte de baixo da imagem - não cruza nunca o limiar - linha tracejada horizontal - e portanto não há nenhuma ativação. A adição de uma constante ao sinal essencialmente nos leva para o caso 3, ainda não satisfatório, representado na figura 2:

Gráfico 2: Sinal elevado homogeneamente.

Note-se que a densidade de barras verticais agora parece guardar alguma relação com a forma do sinal original.

Percepção visual

- Reconstruindo o Sinal Orginal: Um próximo passo possível é realizar o ruído diversas vezes, guardando a informação da quantidade de passagens para cada posição, e estudar a proporção entre o número de passagens e o de realizações. A faixa superior da animação 1 mostra justamente isso para S = 75*(1-sen(pi*(1-x))), com 100% = branco e 0% = preto:

Animação 1: Várias realizações do ruído, com visualização da proporção de detecções.

O que acontece é que a natureza da distribuição gaussiana faz com que mesmo pontos muito distantes do limiar possam superá-lo, mas com uma probabilidade menor, a cada realização, em relação à de que outros pontos mais próximos o façam. Como o ruído não guarda autocorrelação, o que acontece com cada ponto em cada realização é independente dos outros, mas a relação entre as probabilidades de cruzamento para cada ponto são constantes e definidas, dependendo apenas do desvio padrão do ruído e da intensidade do sinal em cada ponto. Ao tomar a média, contudo, estamos trazendo o resultado de volta a um espaço de (256 = 2^8) tons de cinza, em vez do espaço binário preto e branco. Uma alternativa ao cálculo dessa proporção seria simplesmente guardar os diferentes resultados de cada realização, codificados da mesma forma anterior, nas diferentes linhas da faixa superior. A animação 2 mostra o resultado desse processo:

Animação 2: Várias realizações do ruído, cada uma usada como uma linha acima.

Nota-se que o efeito se mantém: com algumas poucas realizações já é possível, pela percepção visual, estimar detalhes do original. Além da economia de operações, esse sinal reconstruído se mantém binário: representa mais diretamente o que acontece com o sistema e pode, sem compressão, ser codificado em um arquivo de computador usando 1bit por pixel, em vez dos 8 bits por pixel normalmente usados em imagens em tons de cinza (também sem compressão). Imaginando um sinal 2D, pode-se encontrar uma ligação entre o efeito visto e o processo de dithering [8], que em uma imagem visa justamente diminuir sua paleta de cores mantendo o máximo da percepção de sua informação original.

- O Efeito da Ressonância Estocástica na Percepção Visual: Em 1997 foi publicado um artigo de Enrico Simonotto, Massimo Riani, Charles Seife, Mark Roberts, Jennifer Twitty, e Frank Moss [3] discutindo os efeitos da RE na percepção visual. Em busca de um critério quantitativo objetivo, optaram por usar, em vez de imagens naturais, sinais 1D com regiões de frequência definível. Aos participantes do estudo foram mostradas imagens contendo faixas de “reconstituição” do sinal a partir de linhas construídas por diferentes realizações do ruído, como se vê na faixa da animação 2. A diferença principal é que em vez de atualizar uma linha por vez, toda a faixa era atualizada 60 vezes por segundo. Cada imagem continha sete faixas, cada faixa sendo elaborada a partir de um sinal da forma A*sin(1/x) + 128 , com Delta = 150 e diferentes amplitudes A, como 28 ou 128. Além disso, todas faixas eram submetidas a um ruído de mesma intensidade (mesmo desvio padrão), que variava a cada aplicação do teste. O teste consistia em pedir para o participante contar até que faixa (ou seja, para qual amplitude mínima) era capaz de discernir uma dada estrutura, efetivamente permitindo a construção de um gráfico de amplitude mínima vs intensidade do ruído. A animação 3 foi baseada nisso, para efeito ilustrativo. A faixa mais acima seria uma representação ideal (em tons de cinza, 8bits) do sinal com amplitude 256. As demais têm amplitudes que vão diminuindo de baixo para cima. O limiar de corte e a intensidade do ruído são os mesmos para todas faixas, sendo que o desvio padrão do ruído vai aumentando com o tempo:

Animação 3: Várias realizações de ruídos com diferentes desvios padrão, sobre uma sequência de faixas de um sinal com diferença apenas de amplitude e sob o mesmo limiar. A faixa do topo representa um sinal “idealmente representado” em tons de cinza e com amplitude 256.

O estudo encontrou de fato, para cada participante, uma curva apontando um nível ideal de ruído: menos e algumas estruturas não aparecem direito, mais e o ruído começa a dominar a imagem. Esse efeito, que é perceptível na animação 3, ajuda a justificar o termo Ressonância Estocástica. Curiosamente, a diferença entre as curvas encontradas para cada participante pôde ser justificada por uma simples constante multiplicativa. Essa constante, variou muito pouco mediante repetições do teste pelo mesmo participante, mesmo com espaçamento de semanas entre repetições, sugerindo uma possível medida objetiva da capacidade de percepção desse tipo de estímulo visual. Outro ponto levantado pelo estudo, que pode se conferido por uma comparação entre as animações 2 e 3, é que o efeito temporal acentuou a capacidade de percepção em relação a imagens estáticas das realizações do ruído.


Sistema biestável

O sistema biestável é um sistema em que uma partícula livre de movimento browniano está confinada em um potencial de duplo poço (figura 1). As regiões de estabilidade do sistema são dentro dos poços que são separados por uma barreira de potencial . A partícula está sujeita a forças flutuantes que são induzidas, por exemplo, por um banho térmico. Tais forças flutuantes podem induzir a transição da partícula entre os dois estados a uma taxa conhecida como taxa de Kramer .

Figura 1: Potencial biestável [1].

Definições do sistema

Taxa de Kramer

Taxa de transição entre os estados de mínimo dos poços. Em que é o quadrado da frequência angular do potencial na posição de mínimo (), o quadrado da frequência angular no topo da barreira localizado em e a altura da barreira. A intensidade do ruído (D), neste caso, está diretamente relacionado a temperatura .

Modelo genérico

Considerando uma partícula browniana em um potencial biestável na presença de ruído e uma força periódica, tem-se a seguinte equação que rege a posição da partícula:

Em que é o potencial biestável

(entra rk, x-barra, potencial, explicação sobre o forcing e o que se espera)

           	- Potencial quartico: V(x) = -1/2*x^2 + ¼*x^4 (bi-estável), dx(t)/dt = -V’(x) + A0cos(omega*t + phi) + ecs(t); com  ecs(t) -> ligado a ruído branco de média zero com auto-correlação <ecs(t)ecs(0)> = 2D*dirac(t), ou seja: descorrelacionado (zero entre tempos diferentes, 2D apenas pro próprio t) (desvio cte).
           	- s/ forcing: Taxa de Kramer: rk = 1/piV2 * exp(-DeltaV/D)

Ressonância

(basicamente “mostrar” 2Tk(Dsr) = T_ômega como [estimativa para] um pico de “sinal transmitido”, fazendo ligação disso com conceito de ressonância. Ideia de que meio período é tempo do sinal “virar” de um lado para o outro).

Outras medidas relevantes

           	- (II do 1): observáveis fisicamente motivados, facilmente mensuráveis e/ou de relevância técnica:

Relação Sinal-Ruído

           	- Densidade Espectral de Potência ( S(w) = Integral de -inf a +inf  de { exp(-iw*tau)*<<x(t+tau)*x(t)>>*dtau , não sei explicar);
           	- Pode se dividir em background + spikes, com spikes em w = (2n+1)*ômega. Background decai proporcionalmente a A0^2n -> A peq: n = 0 domina -> Sn(w) =  Sn0(w) + O(A0^2), com Sn0(w) = 4rk<x^2>0/(4rk^2 + ômega^2 ).  
           	- Signal to Noise Ratio (conceitual e mat) (reproduzir algum grafiquinho?). Se fator que multiplica a exponencial em Rk for independente de “D”: SNRmax p/ Dsr = Delta-V/2, mais algo “com cara de ressonância”; SNR = 2 [lim(delta-w -> 0) Integral de “ômega - delta-w” a “ômega + delta-w” de { S(w)dw]/Sn(ômega)};

Tempo em Loco

           	- Ligado à “chance de pular (pela primeira vez)” em um dado momento.
           	-Tendência de diminuir no tempo (pois quanto mais chance de já ter pulado, antes, menos de pular agora, fator que diminui exponencialmente, se não houvesse forçamento) Simétrico biestável sem forcing: N(t) = (1/Tk)*exp(-T/Tk);
           	- Somam-se picos ligados ao forcing, em Tn = (n – ½)T_ômega (ver melhorzinho derivação)
           	- 3 grafiquinhos (D “muito grande”, “muito pequeno”, “ideal”) -> boa chance de pular em meios-períodos, acompanhando o forçamento. Pouco ruído: tende a perder algumas chances. Muito: tende a ter passagens independente dessas boas chances. Ideal: probabilidde alta de passar logo na primeira boa chance (e por tanto menor de demorar até outras, pq, né, já passou), pouca de passar fora de uma boa chance, e logo pouca chance de passar antes da primeira boa chance -> Prob alta de n = 1. (II.A.1)
           	- proporção entre “tamanho” do primeiro pico <-> sincronia do sistema: outro aspecto de ressonância

Aplicações

Eras do gelo

Apesar do campo de pesquisa em RE ter surgido no contexto do estudo do período entre as eras glaciais e ter crescido bastante em muitas direções, as aplicações na climatologia se desenvolveram inicialmente de forma lenta [5, 2001]. E “há várias falhas na descrição dos ciclos glaciais como uma simples ressonância estocástica” [4]. Ainda assim, resultados interessantes foram encontrados na área ao longo do tempo. Há aproximadamente 1 milhão de anos, o período do ciclo glacial passou de 41 mil anos, alinhado ao ciclo de obliquidade da Terra, para 100 mil anos, alinhado ao ciclo de excentricidade da órbita da Terra, muito mais fraco. Um modelo foi encontrado usando RE que é consistente com essas transições [4]. Outro efeito interessante são os eventos de calor de Dansgaard-Oeschger, que dizem respeito a picos bastante abruptos de calor (relativo) observados durante a última era glacial. Esses eventos também parecem poder ser explicados com ressonância estocástica, com eras do gelo tendo acesso a estados excitados mais quentes e o oceano atlântico agindo como sistema não linear amplificador: segundo Rahmstorf e Alley (2001), “de fato, quando esse modelo climático é realizado com ruído aleatório de amplitude realista, combinado com um ciclo climático bastante fraco de 1500 anos, resultam eventos de Dansgaard-Oeschger que são muito similares àqueles gravados no gelo da Groenlândia e em outros arquivos paleo-climáticos.” [5]

Outras aplicações

A RE, em seus diferentes tipos, recebeu aplicação em uma vasta gama de áreas de estudo. Além da climatologia, do tratamento de sinais e dos lasers biestáveis, já citados, de semi-condutores e reações químicas, alguns outros exemplos são: - Há uma espécie de peixe de água doce (o “paddle fish”) que detecta plankton através de suas fracas emissões elétricas neurológicas. Esse efeito é acentuado por níveis apropriados de ruído elétrico [Russell, Wilkens and Moss, 1999]. [5] - Lagostins (“crayfish”) são crustáceos que lembram pequena lagostas. Eles têm um fotoreceptor caudal que exibe RE. [7] - Humanos detectam pequenos contatos táteis periódicos em seus dedos (do pé e da mão) melhor quando um nível apropriado de toques aleatórios é adicionado [Collins, Imhoff and Grigg, 1996]. [5]

           - Sinais neurais são estocásticos. Em um experimento de 2013 foi adicionado um “ruído” periódico a sinais neural estocásticos, o que resultou em melhoria na detecção dos sinais, no que foi chamado de um processo “reverso” de RE, já que um sinal coerente fraco foi adicionado para possibilitar a detecção de um sinal estocástico. A frequência ideal a ser adicionada foi encontrada em aproximadamente 190 hz: a mesma utilizada em tratamentos de Parkinson por altas frequências (2013, IEEE). [6]
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